16/09/2020 por: Marcelo Conceição Reis
Solidariedade - Bondade ou nada mais que nossa obrigação?
Em Roma antiga, as leis expressavam, de modo simples, que havia obrigações dos cidadãos para com a comunidade na qual estavam inseridos e se beneficiando. Essa obrigação vem do termo, “solidariedade”, derivada do termo obligatio in solidum, que no direito romano expressava, primitivamente, a obrigação comunitária. Nesse conceito de solidariedade social, os cidadãos sentem-se integrados e dessa forma eles e a sociedade eram interdependentes. Ainda hoje, os impostos e taxas pagas ao estado, refletem esta obrigação do indivíduo com a sociedade em que vive.
Em África, vemos este conceito por um ângulo diferente. Como disse Nelson Mandela, “... o africano quer o universo como um todo orgânico que tende à harmonia e no qual as partes individuais existem somente como aspectos da unidade universal”. Ele se referia ao conceito que conhecemos com “Ubuntu”. Fazemos parte de um todo maior que nos define, só podemos nos compreender quando fazemos parte de uma coletividade que nos contem. Ou, como algumas traduções: “a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade”.
Enquanto a sociedade Romana tratava da Solidariedade como uma “obrigação comunitária” no qual, ao ser mantido, nos beneficiamos dela, as sociedades Africanas tinham o princípio de Solidariedade social como a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade, onde a fraternidade se opõe ao individualismo.
Em sociologia, Émile Durkheim, em seus estudos para explicar a organização social e compreender o que garantiria a vida em sociedade e a ligação entre as pessoas, chegou à conclusão que essa ligação, independente da localização geográfica da comunidade, se dava pela Solidariedade social.
Diferente da Solidariedade Social Romana, onde a Solidariedade era regida por lei para manutenção da ordem comunitária, o conceito trazido por Durkheim traz a ideia da existência de dois tipos de consciência em cada indivíduo. Todas as nossas ações são pautadas pela consciência coletiva (comum) e a consciência individual (própria). A consciência individual tem relação com a nossa personalidade, mas a sociedade não é a soma de consciências individuais, sendo assim temos também uma consciência coletiva, que influencia a consciência individual com a combinação do conjunto de consciências individuais dos demais indivíduos. Essa consciência coletiva é responsável pela formação de valores morais e de tudo que consideramos certo ou errado, exercendo assim uma pressão externa que influencia diretamente nas tomadas de decisão.
Se temos, desde as sociedades mais antigas às mais jovens uma ideia do compromisso que temos com o outro e com a comunidade que vivemos, algumas vezes mais com o outro do que conosco mesmo, como é o caso de sociedades africanas , onde “eu sou porque nós somos”, em que momentos deixamos se perder no caminho nossa solidariedade social?
Já parou para se perguntar por que surgiu a terceira divisão social, ou terceiro setor?
O primeiro setor é formado por instituições estatais, sejam federais, estaduais ou municipais, que administram bens e serviços públicos. O segundo setor é constituído por empresas e iniciativas privadas, com recursos aplicados em benefício próprio e visando fins lucrativos. A terceira divisão social, ou terceiro setor, é composto por um conjunto diversificado de instituições, sejam elas: associações, fundações, entidades filantrópicas, organizações não-governamentais, entre outras, e a sua finalidade é prestar serviços de caráter público, mesmo sendo de iniciativa privada.
Se as sociedades estivessem cumprindo individualmente seus papéis solidários sociais, sejam individualmente ou coletivamente, não haveria lacuna a ser preenchida que justificasse a existência do terceiro setor.
Alguns poderão indicar que esse movimento se deu por ineficiência do estado, outros por entender que as empresas visam apenas lucro. Mas, os dois setores tem um ponto em comum: são constituídos por seres humanos. Logo, a falta de polícias públicas que contemplem as necessidades de uma comunidade e empresas que entendam que existe algo além do lucro são condições criadas por seres humanos que perderam ao seu senso de solidariedade social.
Enxergamos um caminho para que pessoas físicas e jurídicas, consigam voltar a trilhar o caminho da solidariedade social: o aprendizado.
E se existisse uma forma de ensinar alguém a exercitar a solidariedade?
Aprendizado pela prática. Ao exercitar a solidariedade, o indivíduo entenderá que existe alguém, além dele próprio, que é tão importante quanto ele, que está num grau de vulnerabilidade tamanho que essa condição o faz questionar o seu papel na coletividade. Estamos falando em exercitar também a empatia. O poder de se transportar de lugar e calçar o chinelo do outro. Perceber que às vezes esse chinelo é desconfortável, seus dedos tocam o chão ou até inexiste.
Co-Solidariedade, é disso que estamos falando. Você provavelmente nunca ouviu falar nesse termo, até porque ele não existia até desenvolvermos o projeto Umbu Solidário, e vermos que o que estávamos propondo ultrapassava o propósito de transbordamento do que acreditamos.
Ao fazer a ponte entre uma empresa, seja pública ou privada, ou até iniciativas empreendedoras ou mesmo de pessoas físicas em busca do que temos a oferecer, e instituições sem fins lucrativos ou iniciativas transformadoras independente de classificação, percebemos que estamos fomentando a solidariedade social. Estimulamos empresas a apoiar iniciativas e incentivamos a manutenção desse vínculo. Numa importante fase da nossa vida, ouvimos a quase que diariamente que “a palavra convence e o exemplo arrasta”. Apostamos que essa pequena ação de sinergia, que batizamos de co-solidariedade, é apenas uma pequena ação, mas com grande significado e que pode reverberar em ações de solidariedade social verdadeira em toda estrutura da organização.
E se formarmos uma grande rede de co-solidariedade? Qual o impacto podemos proporcionar na sociedade? Vamos fazer juntos?